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Restauração: o limite que não deve ser ultrapassado

Por Gazette de Druout e Le Figaro   |   Segunda-feira, 15 de Outubro de 2012


Casa de leilões francesa realiza debate com o tema: 'Beleza reparada, os critérios de autenticidade' 

Reparar a beleza pode também acabar com a autenticidade de um objeto. Un colóquio organizado na Drouot Montaigne, uma importante casa de leilões de Paris, abriu o debate sobre essa questão, sempre presente para os restauradores e conservadores. O caso clássico dado como exemplo foi o do auto-retrato de juventude, datando de 1634, pintado por Rembrandt, que foi vendido pela Sotheby s, em Londres, por 12 milhões de euros em 2003. 

Antes de ser colocado à venda, o proprietário do quadro, aconselhado pela casa de leilões e com a anuência do Rembrandt Research Projet, resolveu encomendar um restauro que recuperasse à tela suas características de origem. E eis que por trás daquele rosto aristocrático, com um chapéu de veludo vermelho, cabelos longos, brincos, um longo bigode e duas fileiras de colares estava o rosto do artista com cabelos encaracolados, usando apenas uma boina. 

Todos os apetrechos incluídos na tela para embelezar o retrato ao gosto do século XVII, feitos por um aluno de Rembrandt sob a direção do mestre, foram retirados, baseando-se em análises raio-X e fotografias que registravam seu estado anterior. 

'Esse é o caso típico de uma restauração que reestabelece o estado de origem da tela. Ela não traz nenhum problema de autenticidade, ao contrário de uma restauração que tenta reaver a aparência original repintando, em maior ou menor escala, as partes desgastadas', considerou o jurista e historiador de arte François Duret-Robert. 

Organizado pela Confederação Européia de Experts em Arte (Cedea, na sigla em francês), que reúne os responsáveis por análise e estimativa de vendas de obras de arte, o colóquio tinha como tema de debate a questão: 'Até que grau de restauração um objeto pode ser considerado como autêntico?' É uma questão complexa, que não tem uma resposta simples. Até entre profissionais da mesma especialidade as opiniões divergem. 

Na cerâmica, consideram-se vários procedimentos para recuperar o objeto, já que 'uma peça quebrada perde muito de seu valor', como explicou o especialista Jean-Gabriel Peyre. 

Na pintura, 'alguns primitivistas italianos são considerados autênticos mesmo se só resta 15 a 20% da pintura original - o que não se aplica para uma tela do século XIX', considera outro expert Éric Turquin. 'Quando mais uma tela é recente, mais o nível de exigência aumenta. De maneira geral, uma restauração acaba com a natureza do quadro desde que as repinturas ou as falhas incidam sobre os locais mais significativos da obra', diz. 

Já para o mobiliário, 'enquanto o móvel mantém seu aspecto original, pouco importa ter trocado as gavetas de uma cômoda, o fundo de um armário ou o assento de uma poltrona corroída por insetos. São apenas restaurações de uso, necessárias à sobrevivência de um móvel', considerou o especialista em mobiliário Jean-Dominique Augarde. Ele ressaltou, no entanto, que sem a formação científica dos restauradores, não é possível usar técnicas antigas para manter-se o mais próximo do modelo original. 

Restaurar para chegar o mais perto possível do estado inicial da obra, ou restaurar para valorizar o objeto? As opiniões divergem de acordo com os interesses. No mundo do comércio, a tentação é a de se adaptar ao camaleônico gosto do cliente. Já os museus têm geralmente a preocupação em respeitar uma filosofia e histocidade da restauração. 'Estabilidade, lisibilidade e reversibilidade são os três princípios fundamentais da restauração, estabelecidos pelo italiano Cesare Brandi e o belga Paul Philipot, e é nessa linha que os museus trabalham hoje', disse Patrick Le Chanu, conservador-chefe do patrimônio francês. 

Outro caso citado foi o do lustre policromático do século IX, do Iraque, exibido na exposição itinerante 'Islamic Art and Patronage'. Ao restaurá-lo, o Museu Nacional do Kuwait percebeu que era composto por 43 fragmentos vindos de 20 pratos diferentes! Para a especialista Laure Soustiel, os grandes colecionadores, extremamente detalhistas, 'privilegiam as restaurações feitas por museus em que, de frente, se tem a ilusão da integralidade da obra e, por trás, se tem a lisibilidade do que foi refeito'.

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